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Luís Fernando Veríssimo |
Olá Crianças!
Vão aí embaixo algumas crônicas diferentes para vocês se inspirarem .Vocês vão rir demais! (ou não...)
O Que Dizer
Dez coisas para dizer quando um visitante mal informado perguntar que buraco enorme é esse no chão. Jamais diga a verdade, que é para um metrô que só ficará pronto quando o Cristo Redentor perder a paciência, botar as mãos na cintura e ameaçar com intervenção. (Ele não vai acreditar.)
1— Foi um meteorito.
2 — Há insistentes rumores de guerra com a Argentina e o governo está construindo abrigos anti-aéreos para a população.
3 — Que buraco?
4 — Todas as ruas estão sendo rebaixadas para aumentar a altura dos prédios, que assim pagarão mais impostos.
5 — Está bem, está bem, mas e o problema dos negros nos Estados Unidos?
6 — Estão procurando restos de uma antiga civilização que viveu aqui, os Cariocas, gente de ótima disposição que desapareceu certo dia durante um engarrafamento de trânsito. Até agora só recuperaram uma camisa listrada, um reco-reco e um leque com a inscrição "Baile dos Batutas, 19 e ilegível". Pouco se sabe dos Cariocas (nome indígena que significa "não deixe para amanhã o que um paulista pode fazer por você hoje"). Foram descobertos por marinheiros holandeses que procuravam um caminho mais curto para o Bolero. Viviam das formas mais rudimentares de agricultura, plantando bananeira na avenida e atirando verde para colher maduro. Não deixaram descendentes. Outro dia correu o boato de que tinha aparecido um Carioca no Degrau, mas foram investigar e era só um gaúcho de brim desbotado, chiando muito. Mas as escavações continuam.
7 — Como vamos todos entrar pelo cano, estão instalando um bem grande.
8 — Você quer brigar?
9 — São as obras do novo aeroporto, e não faça mais perguntas.
10 — É para o metrô que só ficará pronto quando o... eu sabia que você não ia acreditar.
1— Foi um meteorito.
2 — Há insistentes rumores de guerra com a Argentina e o governo está construindo abrigos anti-aéreos para a população.
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Que buraco? |
4 — Todas as ruas estão sendo rebaixadas para aumentar a altura dos prédios, que assim pagarão mais impostos.
5 — Está bem, está bem, mas e o problema dos negros nos Estados Unidos?
6 — Estão procurando restos de uma antiga civilização que viveu aqui, os Cariocas, gente de ótima disposição que desapareceu certo dia durante um engarrafamento de trânsito. Até agora só recuperaram uma camisa listrada, um reco-reco e um leque com a inscrição "Baile dos Batutas, 19 e ilegível". Pouco se sabe dos Cariocas (nome indígena que significa "não deixe para amanhã o que um paulista pode fazer por você hoje"). Foram descobertos por marinheiros holandeses que procuravam um caminho mais curto para o Bolero. Viviam das formas mais rudimentares de agricultura, plantando bananeira na avenida e atirando verde para colher maduro. Não deixaram descendentes. Outro dia correu o boato de que tinha aparecido um Carioca no Degrau, mas foram investigar e era só um gaúcho de brim desbotado, chiando muito. Mas as escavações continuam.
7 — Como vamos todos entrar pelo cano, estão instalando um bem grande.
8 — Você quer brigar?
9 — São as obras do novo aeroporto, e não faça mais perguntas.
10 — É para o metrô que só ficará pronto quando o... eu sabia que você não ia acreditar.
Cinco coisas para dizer quando seu filho menor chegar em casa e quiser saber o que é, pela ordem: contrato de risco, dívida externa e sexo.
1 — Vá dormir!
2 — Pergunte para a sua mãe.
3 — Pergunte para a sua mãe e depois venha me dizer.
4 — Contrato de risco é como se o papai mandasse você procurar minhocas no quintal e, como o quintal é do papai, você ficava com parte das minhocas e o papai com outra parte. Dívida externa é... como, que parte da minhoca? Tanto faz, 40 por cento da minhoca para você e 60 para mim. Não, você não pode botar sua parte da minhoca no prato da sua irmã. Não sei como é que se descobre qual é a cabeça e qual é o rabo da minhoca, e não faz diferença. Está bem. Eu fico com os rabos. Esquece a minhoca!
Dívida externa é como a mamãe pedir dinheiro emprestado para o papai para pagar a loja, depois pedir dinheiro emprestado para a sua avó – e sem me dizer nada! — para pagar o papai e depois pedir dinheiro
do papai para pagar a sua avó, e ainda gastando a minha gasolina no vaie- vem!
Pode, pode botar sua parte das minhocas no prato da mamãe. Agora sexo é mais ou menos como contrato de risco e dívida externa, só que é fundamental saber onde fica tudo na minhoca. E vá dormir.
5 — Escuta aqui, com que turma você tem andado?
Retirado de: As Mentiras que os Homens Contam
Receita de Domingo
Paulo Mendes Campos
Ter na véspera o cuidado de escancarar a janela. Despertar com a primeira luz cantando e ver dentro da moldura da janela a mocidade do universo, límpido incêndio a debruar de vermelho quase frio as nuvens espessas. A brisa alta, que se levanta, agitar docemente as grinaldas das janelas fronteiras. Uma gaivota madrugadora cruzar o retângulo. Um galo desenhar na hora a parábola de seu canto. Então, dormir de novo, devagar, como se dessa vez fosse para retornar à terra só ao som da trombeta do arcanjo.
Café e jornais devem estar à nossa espera no momento preciso no qual violentamos a ausência do sono e voltamos à tona. Esse milagre doméstico tem de ser. Da área subir uma dissonância festiva de instrumentos de percussão — caçarolas, panelas, frigideiras, cristais anunciando que a química e a ternura do almoço mais farto e saboroso não foram esquecidas. Jorre a água do tanque e, perto deste, a galinha que vai entrar na faca saia de seu mutismo e cacareje como em domingos de antigamente. Também o canário belga do vizinho descobrir deslumbrado que faz domingo.
Enquanto tomamos café, lembrar que é dia de um grande jogo de futebol. Vestir um short, zanzar pela casa, lutar no chão com o caçula, receber dele um soco que nos deixe doloridos e orgulhosos. A mulher precisa dizer, fingindo-se muito zangada, que estamos a fazer uma bagunça terrível e somos mais crianças do que as crianças.
Só depois de chatear suficientemente a todos, sair em bando familiar em direção à praia, naturalmente com a barraca mais desbotada e desmilingüida de toda a redondeza.
Se a Aeronáutica não se dispuser esta manhã a divertir a infância com os seus mergulhos acrobáticos, torna-se indispensável a passagem de sócios da Hípica, em corcéis ainda mais kar do que os próprios cavaleiros.
Comprar para a meninada tudo que o médico e o regime doméstico desaconselham: sorvetes mil, uvas cristalizadas, pirulitos, algodão doce, refrigerantes, balões em forma de pingüim, macaquinhos de pano, papaventos. Fingir-se de distraído no momento em que o terrível caçula, armado, aproximar-se da barraca onde dorme o imenso alemão para desferir nas costas gordas do tedesco uma vigorosa paulada. A pedagogia recomenda não contrariar demais as crianças.
No instante em que a meninada já comece a "encher", a mulher deve resolver ir cuidar do almoço e deixar-nos sós. Notar, portanto, que as moças estão em flor, e o nosso envelhecimento não é uma regra geral. Depois, fechar os olhos, torrar no sol até que a pele adquira uma vida própria, esperar que os insetos da areia nos despertem do meio-sono.
A caminho de casa, é de bom alvitre encontrar, também de calção, um amigo motorizado, que a gente não via há muito tempo. Com ele ir às ostras na Barra da Tijuca, beber chope ou vinho branco.
O banho, o espaçado almoço, o sol transpassando o dia. Desistir à última hora de ver o futebol, pois o nosso time não está em jogo. Ir à casa de um amigo, recusar o uísque que este nos oferece, dizer bobagens, brigar com os filhos dele em várias partidas de pingue-pongue.
Novamente em casa, conversar com a família. Contar uma história meio macabra aos meninos. Enquanto estes são postos em sossego, abrir um livro. Sentir que a noite desceu e as luzes distantes melancolizam. Se a solidão assaltar-nos, subjugá-la; se o sentimento de insegurança chegar, usar o telefone; se for a saudade, abrigá-la com reservas; se for a poesia, possuí-la; se for o corvo arranhando o caixilho da janela, gritar-lhe alto e bom som: never more.
Noite pesada. À luz da lâmpada, viajamos. O livro precisa dizer-nos que o mundo está errado, que o mundo devia, mas não é composto de domingos. Então, como uma espada, surgir da nossa felicidade burguesa e particular uma dor viril e irritada, de lado a lado. Para que os dias da semana entrante não nos repartam em uma existência de egoísmos.
Texto extraído do livro "O Cego de Ipanema"
Conversinha Mineira
Fernando Sabino
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Conversinha... |
-- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?
-- Sei dizer não senhor: não tomo café.
-- Você é dono do café, não sabe dizer?
-- Ninguém tem reclamado dele não senhor.
-- Então me dá café com leite, pão e manteiga.
-- Café com leite só se for sem leite.
-- Não tem leite?
-- Hoje, não senhor.
-- Por que hoje não?
-- Porque hoje o leiteiro não veio.
-- Ontem ele veio?
-- Ontem não.
-- Quando é que ele vem?
-- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.
-- Mas ali fora está escrito "Leiteria"!
-- Ah, isso está, sim senhor.
-- Quando é que tem leite?
-- Quando o leiteiro vem.
-- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?
-- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?
-- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?
-- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.
-- E há quanto tempo o senhor mora aqui?
-- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.
-- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?
-- Ah, o senhor fala da situação? Dizem que vai bem.
-- Para que Partido?
-- Para todos os Partidos, parece.
-- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.
-- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...
-- E o Prefeito?
-- Que é que tem o Prefeito?
-- Que tal o Prefeito daqui?
-- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.
-- Que é que falam dele?
-- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.
-- Você, certamente, já tem candidato.
-- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.
-- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?
-- Aonde, ali? Uê, gente: penduraram isso aí...
Texto extraído do livro "A Mulher do Vizinho"
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